RIO — A frente parlamentar evangélica na Câmara dos Deputados encabeça uma articulação para ampliar, dentro do projeto da reforma tributária, o alcance da imunidade e das isenções concedidas atualmente a entidades religiosas.
Em reunião no fim de julho com o relator da reforma na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), os parlamentares se uniram em torno de uma emenda do líder da bancada evangélica, o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), que livra as igrejas de cobranças em remessas financeiras para o exterior e também na operação de atividades fora dos templos. A emenda ainda pode isentar organizações religiosas da contribuição previdenciária.
o encontro com a bancada evangélica, Aguinaldo sinalizou interesse em dar “clareza e segurança” sobre a imunidade de igrejas no texto da reforma tributária. Pela Constituição, entidades religiosas são imunes ao pagamento de impostos sobre renda, patrimônio e serviços. A lei atual exige, no entanto, o recolhimento de encargos trabalhistas e previdenciários, entre outras contribuições sociais, além de deixar as igrejas sujeitas a contribuições de intervenção no domínio econômico (Cide) e a taxas sobre serviços específicos.
— A emenda que apresentamos é muito didática e pedagógica. Pela falta de regulamentação sobre a imunidade religiosa, há brechas atualmente para interpretações da Receita Federal, de estados e municípios. Então, o que a gente pede é uma definição sobre essa extensão — afirmou Câmara.
— Por exemplo: se as igrejas são imunes, por que incidem tributos sobre produtos utilizados na prestação de seu serviço? Por que o estado pode cobrar ICMS sobre um ônibus alugado para transporte de missionários? Porque não está definida a extensão desta imunidade — completou.
A emenda da bancada evangélica, apresentada originalmente em setembro do ano passado, é uma tentativa de modificar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, do líder do MDB, Baleia Rossi (SP).
A comissão mista da reforma tributária vai analisar de forma conjunta a PEC 45 e a PEC 110/2019, apresentada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Segundo Câmara, há centenas de proposições tramitando no Congresso que tratam de imunidade e isenção a igrejas, e a ideia é que a reforma tributária se torne um “marco zero” do assunto.
A bancada evangélica argumenta que a imunidade de entidades religiosas precisa incluir contribuições sociais e Cides, e que deve se estender não só à igreja propriamente dita, mas também a “organizações assistenciais e beneficentes legalmente constituídas”, como livrarias, editoras e gravadoras ligadas a ela (veja o detalhamento no fim desta matéria).
Outro ponto defendido por lideranças religiosas é a imunidade nas remessas de recursos para o exterior, o que beneficiaria católicos e evangélicos. Pelo texto da emenda de Câmara, também deixaria de haver cobrança de impostos sobre utilização de quaisquer imóveis ligados à igreja. A intenção é unificar o assunto nacionalmente. Alguns municípios, embora considerem templos isentos de pagamento de IPTU, cobram o imposto normalmente em imóveis alugados por entidades religiosas ou naqueles usados como moradia por suas lideranças.
Na avaliação do advogado tributarista Carlos Navarro, a emenda da bancada evangélica pode reduzir as disputas judiciais envolvendo entidades religiosas, muitas delas alvo de execuções milionárias pela Procuradoria da Fazenda Nacional.
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O tema costuma mobilizar os integrantes da bancada evangélica. Um destaque apresentado pelo deputado federal David Soares (DEM-SP) a um projeto sobre precatórios, em julho, livra os templos religiosos da obrigação de pagamento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e anula retroativamente multas cobradas pela Receita. O deputado é filho do missionário R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça.
O destaque de Soares, visto por alguns deputados como um “jabuti”, também anula as autuações da Receita contra entidades religiosas que não tenham recolhido a contribuição previdenciária sobre remuneração de padres, pastores e sacerdotes. O texto, aprovado na Câmara, ainda precisa passar pelo Senado.
— A tendência do Supremo ao longo dos últimos anos vem sendo a de dar interpretações mais amplas sobre imunidade religiosa. Esta emenda parece ter o objetivo de resolver litígios e ajudar também as entidades a alcançarem esta matéria da imunidade sem que precisem brigar na Justiça — avaliou o advogado.
Para o tributarista Luiz Rafael Mansur, no entanto, as regras previstas na emenda, caso entrem em vigor, pioram o controle sobre operações financeiras internacionais.
O advogado também acredita que as mudanças abririam brecha para o desenvolvimento de organizações empresariais “protegidas” pela formação de uma igreja. A emenda estende a isenção de contribuição previdenciária para a folha de pagamento de todos os funcionários de uma organização religiosa, incluindo aqueles não diretamente envolvidos com cultos ou trabalho missionário.
— Além do gigantesco impacto orçamentário para a União, um texto como esse pode ter consequências fiscalizatórias, como em relação à prática de lavagem de dinheiro — disse Mansur.
Em 2019, após um pedido da bancada evangélica, apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, a Receita Federal editou instruções normativas afrouxando as obrigações fiscais de igrejas. A Receita aumentou de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões o piso de arrecadação que torna obrigatória a entrega da Escrituração Contábil Digital (ECD), um demonstrativo de movimentações financeiras diárias. Além disso, o governo passou a pedir a inscrição no CNPJ só da sede de entidades religiosas, liberando templos menores
Como é hoje:
O artigo 150 da Constituição proíbe a cobrança do imposto em templos ou demais propriedades relacionadas às “finalidades essenciais” das igrejas. Alguns municípios não consideram que há imunidade, por exemplo, sobre a moradia de líderes religiosos ou imóveis alugados.
O que as igrejas pedem:
A emenda do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) veta qualquer cobrança de IPTU ao dizer que a imunidade atinge “propriedade, posse e manutenção” de quaisquer imóveis ligados a entidades religiosas, assim como a “renda decorrente da exploração econômica”.
Como é hoje:
As igrejas devem recolher normalmente impostos como o IOF em operações financeiras para o exterior, além de serem tributadas em caso de importação de bens e serviços.
O que as igrejas pedem:
A nova emenda diz que não pode haver cobrança de encargos na “remessa de recursos para manutenção” ou “atividade de caráter assistencial ou missionária” no exterior. O texto elaborado pela bancada evangélica também proíbe a tributação na importação de “obras, inclusive de arte” para uso nas igrejas.
Como é hoje:
A remuneração de padres, pastores, sacerdotes e demais representantes religiosos segue a legislação de imunidade. No caso de funcionários de atividades complementares, como limpeza e manutenção, as igrejas precisam recolher 20% de contribuição sobre a folha salarial.
O que as igrejas pedem:
Como é hoje:
A Constituição proíbe a tributação sobre patrimônio, renda e serviços de “templos de qualquer culto”, mas não estende a imunidade a CNPJs ligados às igrejas, como os de livrarias, editoras e gravadoras.
O que as igrejas pedem:
A emenda à reforma tributária busca explicitar, no artigo 149, que apenas a União pode recolher quaisquer encargos de entidades religiosas, e que sua imunidade alcança também a atuação de “organizações assistenciais e beneficentes” ligadas a igrejas.
A emenda da bancada evangélica acaba com a contribuição previdenciária para as “entidades beneficentes de assistência social”, categoria pleiteada por igrejas. Na prática, o recolhimento deixaria de atingir qualquer funcionário dessas entidades, em vez de somente os representantes religiosos.
O Globo
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